Antissemitismo se alastra pela Europa, mas também há Resistência


Breaking News! Uma manchete positiva sobre antissemitismo na Europa. Não se trata de fake news ou de realidade alternativa. Nada de negar o horror, mas o ponto positivo está no cenário de como se desenrola a resistência continental contra o antissemitismo.

O “positivo relativo” está em uma reportagem de seis páginas da revista Time em junho. E um dos aspectos mais interessantes e inquietantes é o fato de a reportagem não se concentrar apenas nos locais suspeitos habituais, como França e Alemanha, mas abrir o assunto falando sobre o que se passa na Suécia; imaginem, no paraíso escandinavo.

 

A foto de destaque no início da reportagem é a do rabino Shneur Kesselman, da sinagoga de Malmo. Hoje o seu escritório tem vidros à prova de bala. Uma professora judia foi ameaçada na bucólica cidade universitária de Lund, com uma mensagem do Movimento de Resistência Nórdica, um grupo neonazista sueco.

 

Este grupo pode parecer meramente lunático com sua meta de expulsar os judeus do país, tem apenas algumas centenas de membros, mas já se registrou como partido político. No entanto, o pequeno tamanho do movimento ofusca sua presença online, onde amplia sua mensagem de ódio. Os resultados são incidentes como bullying em escolas e locais de trabalho.

 

Inimaginável que no país que se apregoa como o mais liberal da Europa (e que, de fato, em termos per capita é o que mais acolhe refugiados) exista um grupo neonazista que tenha praticamente adquirido legitimidade política.

 

Sabemos que infelizmente a erva daninha do antissemitismo floresce no mundo inteiro. Nos EUA, os ataques contra judeus dobraram de 2017 a 2018, de acordo com dados da Liga de Antidifamação (ADL), com destaque para o atentado terrorista na sinagoga de Pittsburgh, em outubro passado, que deixou 11 mortos.

 

No entanto, a tendência é mais grave na Europa, palco do Holocausto de 75 anos atrás. Sim, os horrores da Segunda Guerra cobriram a Europa de vergonha, mas o passar dos anos, das décadas, afrouxou a relutância e afrouxou as amarras da vergonha. Vamos primeiro para o Reino Unido, onde a cada ano, nos últimos três, aumentou o número de incidentes antissemitas. Na França, onde está a terceira maior comunidade judaica do mundo (depois de Israel e EUA), houve um salto de 74% em ataques antissemitas de 2017 a 2018.

 

E na Alemanha houve o pedido, que eu considero patético, do primeiro coordenador antissemita no país, de alertar os judeus a não colocarem a kipá em público. É evidente que eu, morador de um subúrbio de Nova York, altamente seguro para alguém assumir sua identidade judaica, está em uma posição cômoda para julgar a postura de judeus europeus. Muitos se sentem forçados a esconder sua identidade.

 

O rabino que eu mencionei no início do meu texto é americano e se mudou de Detroit para Malmo em 2004. Ele diz que pais alertam os filhos para não contarem na escola que são judeus e professores judeus têm receio de admitir o que são. Não é surpresa que uma pesquisa mostre que 38% dos judeus europeus estão admitindo que pensam em emigrar. A reportagem da Time faz uma varredura, revelando que o oxigênio antissemita é fornecido por um espectro que vai de supremacistas brancos de extrema direita ao pessoal de extrema esquerda que odeia Israel.  A reportagem tampouco exime de responsabilidade os imigrantes muçulmanos vindos de países profundamente hostis a Israel.

 

Sinais de esperança

 

Nunca podemos esquecer o antissemitismo institucional na Europa. Temos a praga no núcleo do Partido Trabalhista britânico (uma casa tradicional que sempre acolheu judeus), que levou importantes militantes judeus a abandoná-lo; e o núcleo duro de antissemitismo na extrema direita, que se movimenta para partidos tradicionais.

 

O caso mais flagrante é o da Hungria do primeiro-ministro Viktor Orbán. Nunca é demais lembrar que parte do escândalo húngaro é o cínico abraço do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu em Orbán. No Brasil, sabemos que a extrema direita da comunidade judaica está à vontade com a solidariedade do clã Bolsonaro em relação a Orbán, embora eu não tenha dúvidas da completa ignorância do presidente brasileiro sobre o que se passa naquela país europeu.

 

Como explicar que na Polônia, palco do maior extermínio de judeus no Holocausto, haja o ressurgimento do antissemitismo? Como explicar o empenho institucional para criminalizar a história no que diz respeito ao envolvimento nacional no Holocausto? E este ressurgimento ocorre na companhia da islamofobia.

 

Eu não estou falando nada de novo e a atração da reportagem está menos nestas melancólicas estatísticas e mais nos sinais de esperança. Sim, o antissemitismo cresce, como também a luta para combatê-lo, tanto entre cidadãos comuns, como entre lideranças.

 

E nesta frente de combate estão muçulmanos. Em Paris, a rabina Delphine Horvilleur acolhe muçulmanos para orações comuns, desde que foi procurada por um rapaz que segue a religião islâmica, que desejou vontade de fazer a sua parte para combater o antissemitismo.

 

De fato, o antissemitismo está normalizado em muitas comunidades muçulmanas na França (no meu trocadilho infame, se tornou “casher“). A mensagem antissemita começa a ser propagada no berço. Outro rabino ativista, Michael Serfaty, fundou a Associação de Amizade Judaica-Muçulmana da França, que organiza atividades comuns para jovens de ambas as religiões em subúrbios ao sul de Paris.

 

Alguns esforços do rabino são produtivos, outros geram reações que nos deixaram perplexos. Ele tentou apresentar música clássica aos adolescentes muçulmanos. Eles riram e um deles disse que este tipo de música é para judeus e é banida em suas casas.

No entanto, vamos focar nos sinais de esperança, retornando para Malmo, na Suécia. A cidade é casa de 1500 judeus e 45 mil muçulmanos. Um rabino que veio de um assentamento na Cisjordânia, chamado David HaCohen, e um imã nascido em Beirute, Salahuddin Barak, lançaram a organização Amanah, para combater tanto o antissemitismo, como a islamofobia.

 

Em março, dois adolescentes muçulmanos tentaram botar fogo em uma sinagoga. O rabino e o imã foram juntos para a escola dos garotos para discutir o incidente. A ideia deste “estranho casal” é ensinar e não punir.

 

Quando cresceu a hostilidade pública contra o rabino chassídico que veio de Detroit, um psicólogo judeu, Hehoshau, organizou um protesto em que judeus e não-judeus usaram a kipá em um protesto público. E de pensar que, em 2011 o psicólogo Jehoshua Kaufman foi repudiado na sua congregação quando sugeriu que ninguém tirasse a kipá quando deixasse o local. Hoje em dia, existem estas caminhadas com kipá em Malmo, Estocolmo e também em Berlim.

 

Os sinais de esperança não devem de forma alguma nos levar a negar a gravidade e o alastramento do antissemitismo no mundo de hoje. Basta ver que o caso da tentativa de incêndio na casa da professora judia na cidade sueca de Lund até hoje não foi resolvido. E a polícia sueca sempre teme os “lobos solitários” nos ataques extremistas (de direita, de esquerda ou islâmicos). Um fato especial de preocupação é que a linguagem nas redes sociais é cada vez mais alucinada, conspiratória e corrosiva.

 

O final da longa reportagem da revista Time tem uma foto de um cemitério judaico em Estrasburgo, na França, profanado com suásticas, mas relembro que ela começa com a foto de um rabino com expressão determinada em Malmo, na Suécia.

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