Tribuna Judaica: Conte-nos um pouco sobre sua trajetória comunitária.
Rabino Berel Weitman: Eu cresci num lar onde que meus pais sempre se dedicaram à comunidade. Meu pai é rabino de uma comunidade, já trabalhou com jovens, adultos e idosos, dando muitas aulas. Minha mãe também é envolvida no trabalho comunitário e atende muitas senhoras. Então desde pequeno eu já estou acostumado com isso. Eu gosto disso e já me envolvi também, mesmo jovem, organizando certas atividades. Como crescimento natural e como idealismo pela nossa educação e pela nossa linha de trabalho do Chabad, em se preocupar com os outros, optei por esse caminho. Atualmente me dedico bastante ao Ten Yad. Nos últimos anos, na função de diretor. Isso me dá uma satisfação de poder ajudar um pouco o outro e aliviar o fardo da vida de nossos irmãos. Em meu tempo livre, eu faço outras atividades com jovens, dando aulas e participando de eventos. Este é um pouco minha trajetória, tudo graças ao bom D’us e todas as brachot do Rebe que nós temos.
TJ: O Ten Yad já apresentava um aumento de assistidos pré-pandemia com a crise econômica. Quais são os números atuais?
RBW: Antes da pandemia o Ten Yad assistia a mais ou menos entre 3.600 e 3.800 pessoas diferentes. Claro, que alguns são membros da mesma família, mas esse era o número de pessoas assistidas semanalmente. Acontece que com a epidemia as coisas pioraram e nós estamos tendo muitos casos novos, muitas pessoas que nos ligam e dizem “meu pai está sozinho e não consigo visitá-lo nessa pandemia. Ele está passando necessidade e precisa de comida”. Eu diria que – sem olhar nos livros nesse momento – tem cerca de 400 casos a mais que estão sendo atendidos diariamente. Não estou falando de casos esporádicos, que tem muitos, mas estou falando de casos que são atendidos diariamente no Ten Yad. Isso totaliza cerca de 4200 atendimentos diários em todas as unidades. Devido ao confinamento e ao isolamento nesta quarentena, muitas pessoas ficaram solitárias, precisando não apenas do amparo social, mas literalmente de coisas básicas como alimentação diária.
TJ: As entregas domiciliares são um importante programa criado pela instituição. Como esta experiência tem ajudado, com tantas pessoas em isolamento social?
RBW: O Ten Yad iniciou há mais de 20 anos um programa social inédito, que não existia no Brasil, chamado Meals on Wheels – refeições sobre rodas. O público alvo são centenas de pessoas carentes, que infelizmente também possuem problemas de locomoção. Seja porque estão em cadeira de rodas, paralíticos ou acamados, sem condições nenhuma de vir ao Ten Yad. Esse programa foi muito bem recebido e a comida chega até a pessoa. Muitas vezes, o voluntário que acompanha o motorista tem a chave do apartamento ou pelo menos da portaria para entregar a marmita pessoalmente. Para muitas pessoas, esse é o único contato social que elas têm com o mundo exterior. Os assistidos recebem uma comida quente todo dia em sua casa. Graças a D’us, esse é um programa que funciona muito bem.
Com o passar dos anos, nós adquirimos uma grande experiência nessa área. As autoridades gostaram muito desse programa e a prefeitura de S. Paulo achou que deveria implantar um modelo igual. Eles viram o piloto dentro da comunidade, gostaram e abrimos esse programa chamado “Programa de Segurança Alimentar Domiciliar para Idosos”. Essa parceria com a prefeitura já existe há muitos anos. O nosso programa Meals on Wheels foi tão elogiado que até chegou em Brasília. Houve reuniões na época do Governo Lula, com autoridades que gostaram tanto que queriam aplicá-lo a nível nacional.
TJ: O que o Ten Yad teve que fazer para conseguir suprir a demanda atual e como estão as relações com as autoridades hoje?
RBW: Grande parte da população do Ten Yad é acima de 60 anos, muitos no grupo de risco, com problemas cardíacos, diabetes, etc. Tendo em vista essa nova realidade, tivemos que nos adaptar imediatamente e em poucos dias passamos a servir 600 refeições diretamente em casa, já que estava perigosa a entrada de pessoas ao refeitório da instituição. Montou-se uma estrutura e graças a D’us, conseguimos enfrentar mais esse desafio com a ajuda de muitas mãos, muitos voluntários e muitas pessoas que vieram nos ajudar. Muitos jovens, motoristas, donas de casa, muitos homens e ativistas, que vem aqui diariamente. A entrega pessoal envolve mais de 180 carros. De vez em quando, a própria polícia tem que fechar a rua para organizar a saída dessas refeições. Ainda não abrimos o refeitório presencial, esperando como será o desenvolvimento da fase verde e das autoridades. O Ten Yad já possui essa experiência, e já sabia como fazer as marmitas, como conservá-las, como fazer para chegar quentinhas. Graças aos motoristas, já tinham 7 ou 8 trabalhando neste sentido, e aumentamos para quase 100 que vão todo dia fazer as entregas. Alguns com bicicleta, outros de moto. Têm voluntários que vem do Morumbi de moto para poder entregar comida em outro bairro e só depois voltam para casa. Realmente eu tenho que agradecer publicamente aqui todos esses que fazem esse trabalho lindo e permitem centenas de pessoas de se alimentar. Obviamente as refeições cresceram de 600 para 700, depois 800, e graças a D’us a experiência nos ajudou bastante e nós continuamos parceiros da prefeitura e também do governo, fazendo muita coisa boa juntos.
TJ: Os voluntários e voluntárias são parte importante da operação. Como a comunidade pode ajudar?
RBW: Não há dúvida que todas estas pessoas dedicadas são a mola propulsora do Ten Yad – são mais de 300 voluntários que trabalham com a gente. Não seria possível fazer tantas atividades e atender tanta gente com carinho, se não houvesse esses voluntários/as dedicados de todas as idades possíveis. Jovens, menos jovens, idosos, de vez em quando três gerações, homens, mulheres, judeus e não judeus. Realmente é um belíssimo voluntariado que nós temos.
São pessoas que fazem de coração, não são obrigadas, não são coagidas, fazem com gosto, mandam sorriso, mostram jovialidade com os assistidos, fazendo esse trabalho com calor humano. Isso é magnífico.
Principalmente nesta época da pandemia, esse trabalho é muito importante. Temos uma frente de voluntariado que mantém contato com todos os assistidos via telefone, além da comida que é entregue pessoalmente.
Atualmente estamos enfrentando mais um problema: muitos voluntários gostariam de vir trabalhar e não podem porque estão na idade do grupo de risco, acima dos 60 anos, ou estão impedidos de vir ao Ten Yad por outro motivo. Aproveito para fazer um apelo, para recebermos mais voluntários jovens que podem se locomover nesta época de pandemia. Temos muitas frentes e nós estamos precisando. Isso irá nos ajudar bastante.
A verdade é que há uma satisfação pessoal muito grande quando se faz esse voluntariado, além de ser um ótimo exemplo para os filhos. Nós pensamos que o voluntário está ajudando aos assistidos, mas a verdade é que são eles que estão nos dando uma oportunidade magnífica. D’us não fica devendo para quem faz um trabalho como esse e retribui com saúde e alegrias.
Neste momento, aproveito para desejar para todos os leitores um Shaná Tová, um ano bom e doce, e que todos sejam escritos no Livro da Vida com muita saúde. Obrigado.